sábado, 5 de janeiro de 2013

«O meu marxismo foi o rock» [João de Menezes-Ferreira]


«Estro In Watts - Poesia da Idade do Rock, antologia de 563 letras do universo pop/rock entre 1955 e 1980, é um manifesto de juventude preparado durante 30 anos por João de Menezes-Ferreira. Chega às lojas em Janeiro, com selo da Documenta.»

«Começa com os Blue suede shoes, de Carl Perkins, 1955. Termina passadas duas décadas e meia, em 1980, com uma letra de Rui Reininho que havia de figurar no primeiro álbum dos GNR, Independança, com a transição de Laurie Anderson das artes plásticas para a música, com as maquetas deixadas por António Variações numa caixa de sapatos, com Bob Marley, Teardrop Explodes, The Cure ou Joy Division. Outra hipótese: acaba com a morte de Ian Curtis, ao som de The Idiot, de Iggy Pop, a rodar interminavelmente no gira-discos. Outra mais real ainda: uma torrente de poesia pop/rock estancada quando o programa radiofónico A Idade do Rock chega ao fim, precisamente em 1980.
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Estro in Watts reflecte, naturalmente, essa hegemonia anglo-saxónica, visitando menos demoradamente a música francesa, a brasileira ou portuguesa (José Afonso, Sérgio Godinho, Rui Veloso/Carlos Tê, Rui Reininho...), sempre consciente de "o inglês se ter tornado o esperanto dos séculos XX e XXI". E espelha  a forma notável como a cultura norte-americana soube encenar a rebeldia e romantizar a adolescência. Não é por acaso que Menezes-Ferreira cita na sua introdução Fúria de Viver, de Nicholas Ray.
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É precisamente neste enfiamento que reside um dos mais robustos argumentos de Estro in Watts: o de que esta poesia não deve ser menorizada perante aqueloutra publicada em livro apenas porque "tem repetições, acompanha o ritmo de elocução verbal e tem uma métrica que é a da respiração". "Estes grandes poetas seriam sempre grandes poetas de livros, mas escolheram a música porque acharam que era esse o veículo."
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"Esta cultura foi, para mim, uma escola. Há uma geração pós-25 de Abril que se reclama marxista. O meu marxismo foi a música, foi o rock. Aprendi a ser adolescente não tanto a ler textos teóricos mas a viver isto."
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O rock, já o sabemos, celebra-se estrepitosamente em concertos, com as palavras a lutar por se manterem à tona de um mar de electricidade, debitada por poderosos sistemas de som. Estro in Watts - Poesia da Idade do Rock livra-as momentaneamente dessa luta desigual. Com um peso na consciência - porque estas letras foram feitas para existir na companhia da música -, mas cumprindo um testemunho que lhes era devido.»

Gonçalo Frota, «"O meu marxismo foi o rock"», Público, 3-I-2013, pp.22-23 (onde pode ser lido na íntegra).


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